viernes, 28 de diciembre de 2007

Mary Poppins - Recut Trailer


Recut of the Disney classic 'Mary Poppins' was made by Chris Rule with assistance by Nick Eckert.

La Chapelle Notre-Dame du Haut (1955) - Le Corbusier



































Stan Brakhage - I...Dreaming


I...Dreaming - Stan Brakhage (1988)

jueves, 27 de diciembre de 2007

Entrevista com Henri Langlois

por Éric Rohmer e Michel Mardore para os Cahiers du Cinema

A entrevista que Henri Langlois concedeu aos Cahiers no início dos anos 60, e aqui reproduzida, é hoje considerada histórica. Depois de 30 anos de atividades incessantes à frente da Cinémathèque Française, eis aí o balanço provisório desta trajetória: nesse período, Langlois não foi somente o fundador e o incansável diretor da Cinemateca (falava-se em Cinemateca do Langlois); foi ele quem iniciou, nos anos 30, todo movimento de criação das cinematecas que culminou no estabelecimento dos principais arquivos de filmes do mundo, influenciando as atividades desde o Japão até no Brasil; foi a ele talvez que mais diretamente se filiou uma geração de cineastas, a nouvelle vague; foi ele enfim – e isto é o que mais nos interessa aqui – quem melhor soube definir todas as funções de uma cinemateca, como se pode ver em suas palavras quase nunca apaziguadoras. Então, por que não publicar aqui uma versão traduzida (devidamente editada, afinal são 25 páginas de conversa) dessa entrevista? É essa a nossa maneira de prestar homenagem a Cinemateca do MAM – uma instituição tão cara entre nós da Contracampo – nesses seus 45 anos, e de voltar a um debate esquecido, o da importância dos arquivos de filmes na agitação e formação cultural das pessoas.
Juliano Tosi

Inútil apresentar Henri Langlois a nossos leitores. Todos puderam apreciar, de perto ou de longe, alguns mesmo cotidianamente, a dedicação assídua com que ele se desdobra na salvaguarda do patrimônio cinematográfico. O que não deixa de surpreender é vê-lo não menos preocupado em garantir o futuro do cinema do que em preservar seu passado.

Nada mais que natural. Enquanto se acumulam os anos que nos separam das experiências dos irmãos Lumière, cada um pode constatar que tanto o gosto pelo antigo quanto o pelo novo são cada vez mais fato do mesmo público, o das cinematecas, dos cineclubes, das salas alternativas, dito em outras palavras, do grupo de cinéfilos que não pára de crescer. São os cinéfilos, e só eles, que, apesar de sua jovem idade, suas posições, seus esnobismos, tem a tarefa de pronunciar esse "julgamento da posteridade" diante do qual não há, por assim dizer, ponto de apelação. Nós já repetimos várias vezes aqui, que não existe arte do presente e que se os filmes, seu tempo de "exploração" terminado, retornassem à suas caixas de ferro claro, voltassem à "fonte", os Cahiers não teriam mais razão de ser, uma vez que nossos vereditos são apostas contínuas sobre o futuro. Logo, é preciso que haja um futuro, ou seja, que o passado não morra.

Alguns espíritos tímidos andaram emitindo a opinião de que a atual evolução do cinema arriscava de ser freada com a invasão de nossas telas pelas obras-primas do passado, como se, à imagem da vida, somente a retirada dos velhos pudesse assegurar a carreira dos jovens. Há aí um sofisma. Nós diríamos, ao contrário, que as presenças dos antigos é a garantia mesma do progresso dos modernos. Nós vivemos em uma época de cultura e não podemos nos permitir de sermos iconoclastas, como o foram, digamos, as épocas passadas. Nossa arte, em todos os terrenos, é uma arte de referência às formas de outros tempos. Se Bach ou Mozart desaparecessem – eu ouço suas obras e tenho a recordação delas – o desejo nos tomaria, a necessidade seria de refazer a trajetória de Bach ou Mozart, enquanto que suas presenças no concerto, no rádio ou na loja de discos nos autoriza e conduz a tentar outra coisa. O mesmo para a pintura e a arquitetura. O vandalismo é tolo porque é retrógrado e encoraja o pastiche, o plágio (em termos de cinema: o remake). Se nossa época conheceu uma aceleração da história, isso se deu em parte porque nunca antes os instrumentos de investigação e de conservação do passado foram tão precisos e abundantes.

O cinema – e é esta a nossa angústia – ainda está numa época bárbara, como as em que os afrescos mais antigos das igrejas eram substituídos por rabiscos num pedaço de pano, sobreposto ao trabalho anterior. Enquanto se empilham os livros e discos, que se multiplicam as exposições, possíveis graças a restaurações quase miraculosas, o repertório da tela diminui. Nós, os velhos dos Cahiers, nós saboreamos nossa sorte, devida à desordem do pré-guerra, de termos adquirido bem rápido uma bagagem cinematográfica de um volume apreciável. Mas os que têm hoje vinte anos foram infinitamente menos favorecidos; filmes ainda frescos em nossa memória – digamos Rio Vermelho ou Sob o Signo de Capricórnio, mas eles são uma legião – são para eles maravilhas tão inacessíveis quanto o Colosso de Rhodes ou o Templo de Éfeso. Como a substituição da geração atual de historiadores do cinema – todos qüinquagenários – poderá se operar dessa maneira? Uma das lacunas mais graves que comporta nossa revista, ligada, como nós sabemos, à "política dos autores", são os ensaios sobre um cineasta. Como estudar a obra de um diretor quando se conhece dela apenas um quarto, ou menos que isso? Enfim, em nome de quê o amador de cinema se sente mais prejudicado do que o amador da pintura, da música ou da poesia? Se os motivos estão nos obstáculos técnicos, financeiros ou políticos, nós tentamos, antes de tudo, conhecê-los bem e informar os leitores, conscientes de nossos deveres, direitos e poderes de jornalistas. Como salvar os filmes? E, uma vez salvos, como difundi-los entre um público maior? É por essa dupla questão que iniciamos nossa conversa com o diretor da Cinémathèque Française. – E.R.

* * *

Para se poder mostrar uma obra antiga, primeiro é preciso que ela exista.

Ou seja, é preciso tê-la conservado.

Para podê-la conservar, primeiro é preciso tê-la colecionado.

O vandalismo consiste em esquecer disto, e a tarefa primordial para uma cinemateca está na sua coleção. Quer dizer, na pesquisa e na tomada de responsabilidade sobre filmes ainda não salvaguardados.

O vandalismo consiste em se satisfazer com pouco, em dormir bem quando se sabe que filmes estão sendo destruídos, ou que estão desaparecendo, em pretender que o trabalho de coleção de filmes antigos está praticamente encerrado. Esse é um doce gracejo.

Quando não subsistem mais que dez, cem ou mil filmes de um total que era de dez mil, eu penso que é um escândalo e que nada está salvo, que a cinemateca que estivesse satisfeita com essa situação contribuiria ao vandalismo e seria mais que qualquer outro responsável pelo desaparecimento de filmes, pois, por sua própria existência, ela apazigua as consciências e constitui um álibi.

Que me importa que Nosferatu, O Último dos Homens, Tartufo, Fausto, Aurora e Tabu estejam salvos se restam a salvar Der Brennende Acker e Der Januskopf, Phantom e Expulsion, Os Quatro Diabos e City Girl. É isso que deve contar. É essa minha obsessão.

Se as cinematecas chegam ao ponto de negligenciar o trabalho de coleção do patrimônio em vias de desaparecimento em proveito de outras atividades, afirmando para se justificar que o trabalho de coleção está encerrado e que tudo que podia ter sido tentado nesse terreno foi feito, eu acredito que está mais do que na hora de criar um escândalo e de citar os títulos, a longa enumeração de todos os filmes que não se sabe mais onde estão, que só vivem nas recordações de algumas pessoas e que ainda estão em tempo de serem procurados, encontrados, conservados.

O que você chama de "conservar"? É ter a cópia ou poder tirar novas cópias?

Seria simples se o suficiente fosse ter, ou mesmo simplesmente estar autorizado a fazer novas cópias.

O problema é que nós não temos idéia do que aconteceu com a maior parte dos filmes.

O problema é antes de tudo determinar quem detém e onde se encontram os filmes, em que locais, em que país, existe ainda uma possibilidade de os conseguir.

Em seguida, é preciso convencer os que possuem a cópia de confiarem em você, confessar que eles é que são os donos da cópia, levá-los a confiar em você, prometer-lhes segredo, para assim poder cuidar, assegurar a vida dos filmes. Enfim, poder vê-los, saber que eles têm valor, finalmente estar autorizado em fazer novas cópias e projetá-los.

O animador de uma cinemateca é uma espécie de encantador de serpentes? Um flautista de Hamelin. É muito duro.

E quando eu penso nos filmes, eu não penso somente nas cópias, mas no negativo original.

Pois só a sobrevida do negativo original pode garantir a sobrevida, em toda sua beleza original, da obra de arte cinematográfica.

O objetivo mais difícil e o mais essencial é garantir a sobrevida o máximo de tempo possível do negativo original, obter o poder de se encarregar dele.

Resumindo assim o problema: qual é o estado atual do arquivo de negativos em todo o mundo? Existem negativos destruídos? Ou ainda podemos guardar a esperança de tirar cópias do negativo de qual filme for?

De qual filme for? Com certeza não.

Milhares de filmes já tinham desaparecido antes da criação, entre 1935 e 1936, das primeiras cinematecas dedicadas a conservação da arte cinematográfica: o British Film Institute, o Museum of Modern Art Film Libray, a Cinémathèque Française e a Cinemateca da Escola de Cinema de Moscou (VGIK).

Além do mais, milhares de negativos desapareceram por todo lugar no mundo sem que ninguém tenha realmente tentado cuidar da sua sobrevida, e que poderiam ter sido conservados se houvesse uma verdadeira preocupação.

Na verdade, quando as primeiras cinematecas foram fundadas, havia ainda quase tudo: uma prospeção pelo mundo todo teria permitido reencontrar e salvar tudo.

O que eu poderia fazer se, em 1934, as pessoas tivessem levado em consideração a Cinémathèque Française, na época de sua criação, se tivessem lhe dado os meios que eu só pude dispor dez anos mais tarde, quando já tinha salvado, graças à Associação, cinqüenta mil filmes?

Atualmente, a Cinémathèque Française consegue cuidar de várias dezenas de milhares de negativos originais.

Eu não tenho a impressão que existam hoje tantas cinematecas quanto deveria haver, e certamente menos ainda nos países onde a indústria cinematográfica não é uma industria do Estado.

Mas esses resultados me dão ainda mais coragem e liberdade para colocar o problema de maneira violenta. Afirmando que esse resultado não é nada, que juntando tudo que está nas mãos das outras cinematecas, isso ainda não é nada, que o conjunto de cinematecas do mundo inteiro não conseguiu ainda proteger, reunir, salvaguardar, a tomar sob sua responsabilidade a décima parte das obras cinematográficas dignas desse nome.

E a cada ano a situação se torna mais trágica, pois nós estamos passando por uma corrida contra o relógio em que o que está em jogo é a morte de filmes abandonados, perdidos ou presos por pessoas que negligenciam no cuidado de sua sobrevida.

Essa é a única, a verdadeira preocupação, o único grande problema das cinematecas dignas desse nome, conscientes de sua razão de ser.

Vergonha para aqueles que se escondem por detrás dos princípios de escolha e de seleção para se esquivar dessa tarefa, que se escondem por detrás de uma falsa cultura para mascarar a cumplicidade de sua indiferença, de sua preguiça, ambições sociais, de sua sinistra satisfação de si mesmo.

Em 1934, um jovem de vinte anos podia ter conhecido e visto tudo, uma vez que era suficiente ter freqüentado os cinemas de bairro durante sua infância e adolescência; em seguida, esse homem pode ver os principais filmes filmes produzidos no momento.

Qual é no então o jovem que pode atualmente dispor de uma visão semelhante? Qual é a cinemateca que lhe dá essa possibilidade? Nenhuma, nem mesmo a Cinémathèque Française, nem todas as cinematecas reunidas. E no entanto, eu continuo acreditando que com um pouco de vontade e energia, bastante trabalho, um pouco de compreensão e a ajuda da opinião pública, ainda é possível procurar, encontrar, salvar.

Em sua coleção de milhares de filmes, são muitos os negativos? Há como obter muitos filmes novos? Em que medida uma companhia pode destruir o que possui?

O problema da coleção de filmes é complexo, pois o cinema é uma indústria e o negativo tem um valor considerável e inalienável.

Cada caso é um caso. Tudo é uma questão de confiança, de estima mútua entre o produtor e o responsável pela cinemateca. Existe nessa relação uma linha tênue que pode se romper por quase nada, um passo em falso, uma proposta infeliz. Mas o resultado está aí, e se os Poderes jamais sonharam em proibir a destruição de negativos montados, eu nunca conheci produtores que destruíram de bom coração uma obra, a não ser por uma necessidade imperativa; a maior parte das destruições são fortuitas, conseqüência de falências, do fim de uma produtora, do esquecimento; na verdade, o filme, se não for constantemente fiscalizado, pode se perder. A maior parte das perdas de filmes nos Estados Unidos foi de morte física, acidental.

Na verdade, o drama é que cada vez que um movimento de opinião se desenvolve a favor da conservação das obras cinematográficas, ele nunca é desinteressado. Há dois anos, eu vi um professor que, em nome das conservação dos filmes, se agitava e se preocupava com a destruição de cópias dubladas de filmes estrangeiros em seu país, mas que se recusava a me seguir quando eu tentava fazê-lo observar que a conservação dessas obras só poderia ser feita a partir do original. Ele só se interessava na sobrevida das cópias que lhe eram úteis, e indiferente ao resto.

O maior obstáculo ao trabalho de conservação das cinematecas é de ordem psicológica.

Ele está no medo da perda da posse no roubo.

As cinematecas são confiáveis?

Por que você me faz essa pergunta?

Acontece que as quatro cinematecas que foram fundadas por volta de 1935-1936 surgiram numa época em que a opinião era de que os filmes mudos, à parte os de Chaplin, não tinham nenhum valor. Se interessar então pela sobrevida da arte muda exigia como que uma crença.. Sobre essa opinião e essa crença, é que se estabeleceu o modus vivendi que permitiu o sucesso da Cinémathèque Française.

Nós éramos uma espécie de oásis onde o cinema não era mais uma mercadoria, mas uma arte. Um lugar de alta estima do cinema tido por um valor puramente espiritual, e no seio do qual comungava toda uma profissão.

Pois nessa profissão todos têm orgulho do que fazem e, não importa o que digam, eu não conheço nenhum produtor que seja cínico em relação a seus filmes.

Assim, dentro da Associação que nós criamos cada um se sentia feliz por contribuir com a arte pura.

Toda cinemateca ligada a esse princípio, a essa ética, a essa crença, vai inspirar a estima e o respeito e, dessa forma, vai se desenvolver.

Foi por ter sempre considerado nosso trabalho como um ato gratuito e totalmente desinteressado nos seus fins, que a Cinémathèque Française viu tantos filmes lhe serem confiados.

Nós não tínhamos um centavo, mas assim mesmo conseguimos salvar tudo, somente com nossa autoridade moral.

Porque os subsídios foram posteriores, eles não vieram antes do sucesso da salvaguarda do patrimônio cinematográfico que havia então na França. O trabalho de salvaguarda foi bem sucedido, apesar da ocupação, graças ao respeito que um trabalho de coleção totalmente desinteressado impunha nas pessoas.

Se antes da guerra nós tivéssemos um pouco de condições materiais, filmes hoje desaparecidos ainda existiriam: Der Brennende Acker de Murnau, Scherben de Lupu Pick, Johan de Stiller, Thérèse Raquin de J. Feyder, Sperduit nel Buio de Martoglio. Faltava dinheiro. Mas com um pouco de sabedoria e engenhosidade, O Anjo Azul, A Caixa de Pandora, Nosferatu, Le Vieux Manoir, Visages d’Enfant (N.E. de Jacques Feyder, 1925) puderam sobreviver.

Ora, outras cinematecas já dispunham de créditos importantes desde antes da guerra e poderiam ter salvado muito coisa: por que eles não o fizeram? Porque eles ainda pensavam em escolher, enquanto era preciso pensar em se conservar tudo.

Nós também, na época, pensávamos que nossa tarefa era a de colecionar os que nos parecessem ser os melhores filmes, como numa coleção de obras de arte.

Essa é uma posição monstruosa, em razão do contexto que faz com que um quadro de Renoir exista, mesmo se ele não está nas mãos da Tate Gallery, do Frick Museum ou exposto na Jeu de Paume. Enquanto que um Méliès ou um Griffith, quando não estão nas mãos de uma cinemateca, têm poucas chances de sobreviver.

Além disso, quanto mais as cinematecas avançam em seu trabalho, mas elas desenvolvem seus conhecimentos, mais recuam as fronteiras dessa terra ignota que é o passado do cinema, mais nós nos damos conta em que medida o tempo modificava as noções anteriores.

A cada instante nós tomamos consciência de nossa ignorância, e com ela de nossas responsabilidades.

Foi por isso que nós percebemos logo que era preciso tentar conservar tudo, salvar todos os filmes, mantê-los, renunciando o papel de amador de clássicos.

Graças a essa tomada de consciência, nós pudemos evitar na França o desastre que teria sido o desaparecimento para sempre de uma boa parte do patrimônio cinematográfico.

Em 1937, Nana de Jean Renoir não tinha nenhum prestígio, era inimaginável na época que fosse um bom filme. Nós então projetamos Nana e o filme de repente apareceu como ele é, ou seja, uma obra de um porte infinitamente grande.

É, por exemplo, o mesmo julgamento definitivo, categórico, absoluto, míope e conforme a opinião arraigada que se tinha sobre esses filmes da época, e que dizia que Boudu Salvo das Águas era um filme ruim de Renoir.

Essa reputação de indignidade era tamanha que mesmo tendo conseguido salvar uma cópia de Boudu nunca me viria à cabeça colocar o filme na programação. Vocês imaginam minha surpresa quando eu descobri a obra-prima que é Boudu, como vocês mesmo notaram nas exibições mais recentes.

Nós vivemos então um período de descobertas.

Isso faz da gente mais humilde, proíbe os preconceitos.

Mas vocês acham que as pessoas aprenderam alguma coisa?

A moral da história ainda não foi percebida.

Há algumas semanas, o comitê de conservação de filmes de uma cinemateca importante e séria discutia o mais friamente possível, durante 45 minutos, se era conveniente ou não salvaguardar O Homem de Aran.

Que tempo perdido!

Você aceita todos os filmes que lhe oferecem?

Tudo, absolutamente tudo.

Se a Cinémathèque Française fizesse uma seleção, onde estaríamos?

Como a Biblioteca Nacional, nós aceitamos tudo que nos é oferecido.

Nós não somos Deus, não temos o direito de acreditar em nossa infalibilidade, e, além do mais, segundo qual critério?

Há a arte e há o documento.

Há filmes ruins que continuam ruins, mas que, com o tempo, podem se tornar extraordinários. Com que direito rejeitar, por exemplo, La Caserne en Folie? Para mim, é uma coisa fabulosa, um monumento. Uma espécie de monstro sagrado que resume em si tudo o que foi um certo cinema; mais o tempo passará, mais ele será formidável.

E há os filmes que parecem não tem valor e que o tem, pois o tempo lhes fornece um estilo invisível hoje, outros que parecem ridículos e que, em alguns anos, irão reencontrar sua magia.

Com o tempo, todos os valores se modificam: o que parece de bom gosto se torna entediante, o que parece extravagância se torna harmonia.

Pense nos filmes desconsiderados pela crítica e pelos historiadores e que a gente descobre hoje que se trata de uma das grandes obras-primas.

Como podemos nos permitir de julgar? Só o tempo pode decidir.

E além do mais, porque recusar algo que não nos custa nada?

Os filmes, vocês os recebem ou eles são comprados?

A princípio, a Cinémathèque não compra filmes. Todo nosso sucesso está numa relação amigável que permitiu os resultados de que nos orgulhamos. Tudo está baseado na confiança.

Sob quais formas os filmes são preservados? Negativos? Positivos? Contratipos?

Sob toda forma. Sob a forma que nos foi possível salvar.

Se não existe mais o negativo mas ainda há uma cópia, o filme está salvo.

Mais vale uma cópia envelhecida do que nada.

Mas há pessoas que não compreendem isso e nos reprovam o estado dos filmes que aceitamos, mas o que eles querem que façamos se não há nada mais do que aquilo?

Não vem a cabeça de ninguém reclamar que a Vênus de Milo não tenha mais braços, pois todos percebemos o milagre que é uma obra dessas estar nas salas do Louvre.

Ninguém percebe – porque o cinema é um produto cotidiano – o milagre que foi a descoberta, em um mercado de velharias, de uma cópia colorida do Palácio das Mil e Uma Noites de Méliès, mesmo que faltem o começo e o fim.

Nesse terreno, existe uma confusão terrível, e as pessoas confundem as cinematecas com salas comerciais e fazem um escândalo, sem nenhuma noção da realidade, quando falta uma cena do filme.

Quando vocês recebem filmes recentes, as cópias chegam em bom estado?

Em outros tempos, era bastante fácil conseguir uma cópia usada em bom estado, cuja projeção permitiria alguns anos mais tarde ter uma boa idéia do valor da obra.

E ninguém nunca nos recusou, até hoje, de fazer uma cópia de um filme novo, desde que se trata-se somente de conservação.

Mas o que me interessa mais é o negativo original, porque, no dia que for preciso transferir o filme para um novo suporte, é melhor ter em mãos o material original do que uma duplicata.

Qual é exatamente a data da morte química de um filme?

Na época da fundação da Cinémathèque Française me diziam: "Você é louco! A vida de um filme não passa os cinqüenta anos. Os negativos de Louis Lumière não vão mais existir. Então, qual o sentido?"

Nós estávamos em 1935, agora em 1962 e os negativos originais de Lumière continuam existindo.

Enquanto um filme existir, nós não temos o direito de renunciar à sua conservação.

Destruir cópias antigas, em decomposição mas ainda não completamente destruídas, é simplesmente a prova de que não se compreende nada sobre a essência da arte cinematográfica.

O pior inimigo são os preconceitos, esse preconceitos que deixaram que tantos filmes fossem destruídos em tantos países!

Foram necessários anos de esforços para que se percebesse que uma cinemateca deve em primeiro lugar cuidar da salvaguarda do cinema nacional. Dá para imaginar o desprezo com que vários países tinham pela sua produção local e isso continua. Mesmo nos Estados Unidos, o cinema americano é com freqüência desconhecido e às vezes mesmo desprezado em alguns meios, que assim imaginam estar dando uma prova seu espírito crítico e de intelectualidade.

No momento, a situação dos filmes antigos americanos é quase trágica. Está na hora de falar isso, pois ainda há tempo de salvar o que há em Hollywood.

Felizmente, eles acordaram in extremis.

É preciso salvar a arte americana do século XX, que é a arte cinematográfica.

Mas o problema é o grande desprezo e o desconhecimento pelo cinema nos Estados Unidos.

Por que Le Calvaire de Lena X e Forfaiture (N.E. de Marcel L’Herbier, 1937) não foram copiados quando teria sido tão fácil fazê-lo? Por que um único filme mudo de John Ford existe no catálogo das cinematecas? Não é uma monstruosidade pensar que, de sessenta filmes mudos de John Ford, um único, só um, foi inventariado pelas cinematecas? Mas outros filmes mudos existem ainda e podem ser salvos.

Mas para salvar o cinema americano, tem que se amar o cinema americano, é preciso ter o gosto por esse imponderável, esse frescor, essa vivacidade do milagre que é William Hart. É preciso não ter vergonha de Cecil B. de Mille, saber amar Hollywood. Tem que ser um pioneiro.

E o problema da difusão?

É o mais difícil, principalmente porque ele parece o mais fácil.

A difusão da cultura cinematográfica é uma arte, não deve ser uma profissão.

Uma arte tanto mais difícil de exercer uma vez que a palavra se presta a um equívoco: qualquer pessoa podendo exibir qualquer coisa, mesmo o pior, e sob qualquer finalidade. Não basta somente ganhar a confiança, é preciso merecê-la.

Para mim, toda cinemateca que se serve da cultura cinematográfica, em vez de servir a ela, corre o risco de se perder.

Difundir é servir.

Por exemplo, em Nova York, numa homenagem ao cinema francês, eu tentei surpreender e mostrar os aspectos desconhecidos do cinema francês. É assim que se comportam em todos os museus do mundo as pessoas que organizam exposições que permitem descobrir essa ou aquela obra normalmente não lembrada.

Só que a preocupação com o sucesso descartou ótimos filmes franceses, que hoje vocês conhecem tão bem porque os "descobriram".

Uma única coisa interessava meu colega, a certeza de ter um bom público, o que levava direto à exibição de filmes arqui-conhecidos e de preferência falados.

A curiosidade, nós sabemos, é uma característica de poucos. Vocês sabem quantos somos na rua d’Ulm quando é exibido um filme desconhecido pela primeira vez; mas como um organismo cultural, é para isso que existimos, e é inimaginável pensar que um museu se recuse a expor uma obra de grande qualidade sob o pretexto de que ela não faz público.

Nós não somos uma sala comercial. Temos uma função de informação e pesquisa. Nós devemos ter a coragem de mostrar as obras, para que vocês possam julgá-las.

Independente da coleção, uma cinemateca é um museu com uma sala de projeção; nesse museu é preciso poder iniciar as massas, assim como poder dar a satisfação as cem pessoas que se interessam passionalmente pelo patrimônio cinematográfico.

É também um centro de irradiação presente em todo lugar sob a forma de manifestações temporárias, em todo lugar em que seja possível a expansão da cultura cinematográfica.

Mas tudo isso, é um ideal.

O que me interessa, é que filmes novos sejam feitos. É que o cinema vá para frente. Para mim, a difusão de cultura pelas cinematecas consiste em criar o futuro, pois uma cinemateca é o museu de uma arte viva, um museu que não é somente do passado, mas do futuro. A vitória da Cinémathèque é de ter tornado possível Os Incompreendidos, Nas Garras do Vício, Paris nos Pertence, O Signo do Leão, Acossado, assim como Le Rideau Cramoisi, Paris 1900, de ter ajudado Resnais et Rouch, de antes ter contribuído em Milão e Roma, entre 1938 e 1939, em seu início, às fontes do neo-realismo.

O erro de vocês da nouvelle vague foi abandonar os jornais; vocês tinham que continuar produzindo e escrevendo.

É complicado continuar a falar dos outros quando você também dirige seus filmes.

Que escrúpulos! Delluc, L’Herbier, Epstein nunca o tiveram. Se eles tivessem, estariam mortos. E o surrealistas, se eles não tivessem cantado seus elogios mútuos nas próprias revistas em que escreviam, se eles não tivesse feito todo o barulho em torno de si mesmos, vocês acreditam que eles poderiam ter existido?

Se eu digo isso a vocês é porque o futuro do cinema conta mais do que seu passado, que o problema da preparação da cultura cinematográfica vai ser posto, mas de uma maneira diferente, a partir do ensino nas escolas dos clássicos do cinema: pois no dia em que uma criança puder reviver nas sala de aula a trajetória do cinema, do nascimento com Lumière até os filmes de Kurosawa, em que ele aprenderá a ver e que passará por uma formação que lhe mostre a experiência que levava o público das feiras a ver Zecca e o de hoje a assistir Buñuel, nesse dia, as cinematecas deverão dar mais um passo a frente.

O drama de vocês da nouvelle vague é de não ter sabido definir o grupo de vocês, de ter perdido Bazin, perdido em Truffaut o "crítico da geração". Era preciso ter a coragem de dizer: "Não, você não faz parte do nosso grupo". Além do mais, entre 1915 e 1922, a vanguarda francesa se resumia a três ou quatro diretores e ninguém ria quando Abel Gance, ou G. Dullac, ou L. Delluc, dizia: "Eu sou a vanguarda".

Era preciso impedir os jornalistas de misturar os filmes e as pessoas, não ter medo de formar um "clã".

Isso não é tão fácil de se definir.

Vocês acham? Vocês acham que é difícil encontrar um denominador comum nos filmes de um certo grupo, quando é evidente que há neles um retorno às fontes, à inspiração direta, à supremacia do olhar?

Quais são os critérios que guiam a escolha da programação?

Eu não sigo nenhum critério. Eu tenho ao mesmo tempo o respeito pela opinião pública e o desrespeito pelo convencional.

Eu acho que, quando um filme não pode ser exibido em outro local, é preciso que ele seja mostrado na Cinémathèque Française, mas jamais me viria a idéia de excluir um filme do programa simplesmente por causa do meu próprio gosto. Eu não tenho, no entanto, nenhuma falsa vergonha de exibir um filme que me agrada.

Eu só lamento uma coisa, é de nem sempre ter os meios para tirar cópias de todos os filmes que seria preciso programar.

http://www.contracampo.com.br/19/henrilangloisentrevista.htm





"Curators Are Idiots" - Henri Langlois

"Phantom Of The Cinematheque," a documentary about French Cinematheque founder Henri Langlois, opened a few weeks ago at the Film Forum on Houston during the month that Jeremy Blake and I spent in New York. By turns a cult of personality and a messy, ad hoc, nearly dysfunctional institution that gave early respect to a still new art form, the Cinematheque eventually became a global monument where censorhship became less possible and democratic freedoms were upheld. Before the Cinematheque, art had emanated top-down in France from whoever was currently in power. France's unregulated and underappreciated film industry combined with the newness of the art form itself marked the first time art and the producers of culture existed completely outside of French bureaucratic and institutional control.

The establishment of the Cinematheque by Langlois and its agenda-less agenda eventually piqued the interest of Andre Malraux, then France's Minister of Culture. The notorious student riots of 1968 were sparked in part by Malraux's decision to fire Langlois from his beloved Cinematheque. Watching a handful of handsome, stylish young New Wave directors create a massive stand off with the French police over a film museum, we understand that an important shift in culture had already occured, but as usual, artists were the first to announce it. Langlois and the children of the Cinematheque understood that art itself was the new government. While Langlois was reinstated due to the protests, the government's subsequent attempt to starve his institution out of being could not disguise the fact that film now had a bigger grip on the prevailing fantasy France had of itself than the state.

Langlois was a slatternly, obese man who managed by chaos and whim, but something of his personal style and the madness of his method kept the film medium and his institution open and iterative instead of devout and inert. "Performing a sort of triage on what should be saved--creating a hierarchy of preservation is just stupid." Langlois chastises himself in an on screen interview after having neglected to buy the Hollywood films of 1910's "vamp" Theda Bara. "Sifting through, deciding what art is, it's just vanity. Curators and bureaucrats are idiots, including myself." Indeed, today it's nearly impossible to view Theda Bara's work--of the more than 40 films she made from late 1914 through 1926, only three and a half remain.

The French government continued to attack Langlois for the rest of his life. He and his long suffering employees often worked without heat or electricity, Langlois went without shoelaces and held his pants up with an extension cord. The discomforts endured by these passionately dedicated employees reveal a singularly unsentimental "vita brevis, ars longa" philosophy underlying the Cinematheque's mission. One person interviewed in the film describes the great scholar and preservationist of German film Lotte Eisner meeting a fifteen year old homosexual filmmaker named Kenneth Anger and offering him one bit of career advice: "If you commit suicide," she said, "leave everything to the Cinematheque."
http://theresalduncan.typepad.com/witostaircase/2005/10/curators_are_id.html


Langlois-Godard: Museo de lo real


En el capítulo 3B de las Histoire(s) J.L Godard desarrolla el concepto de museo de lo real, que vincula a Henri Langlois.


El fundador de la Cinémathèque, en lo que a la idea de museo se refiere, sería la figura de paso entre Malraux y Godard. Enamorado del cine desde su infancia, Langlois comenzó a comprar películas cuyos rollos almacenaba en la bañera de su casa cuando vio que nadie hacía nada ante la desaparición del cine mudo. Para él, todo fotograma merecía ser salvado, y su renuncia a elegir permitió que muchas películas, ahora consideradas auténticas joyas, escapasen a las veleidades de las modas historiográficas; tal y como lo expone Godard: “Si no hubiera sido por Langlois y Franju, nunca hubiéramos sabido que había películas mudas, que Sunrise existía y quizá valía lo mismo que algunas pinturas antiguas”. Este reconocimiento Godard lo ha expresado en numerosas ocasiones, como cuando en un acto en la Cinémathèque dijera estas palabras: “Henri Langlois ha dedicado cada veinticuatroavo de segundo de su vida a sacar todas esas voces de sus noches silenciosas, y a proyectarlas en el cielo blanco del único museo donde se reúnen finalmente lo real y lo imaginario”.

La pasión de Langlois por el cine no se manifestó rodando películas, sino que su cámara fue el proyector, su obra, las programaciones. En cierto modo, la Cinémathèque era una particular realización del Museo Imaginario, al que Malraux definía como lugar mental. Para Langlois, el soporte de su museo cinematográfico imaginario no era el libro, sino la pantalla. Era por tanto un museo doblemente imaginario, pero el carácter evanescente de películas se contrarrestaba por el efecto que producían las asociaciones de sus programas, logrando que las películas en vez de disolverse en el recuerdo, perdurasen como sueños en la memoria. De hecho, Langlois consideraba que los tickets que se compraban en la puerta de la Cinémathèque eran para “visitar” las películas; no eran entradas de cine, sino de museo. En aparente contradicción con los principios ortodoxos, para Langlois mostrar era un acto de conservación, y la política de su museo era que “las copias están para usarlas”, puesto que las películas que se enseñan perviven, aunque se deterioren en la proyección, y, en cambio, los rollos guardados se degradarán sin haber dejado huella en el imaginario de nadie.

Las programaciones de Langlois se hicieron célebres y con ellas se educaron varias generaciones de cinéfilos. Las asociaciones que establecía eran diversas: desde encontrar similitudes en los argumentos, a poner de relieve diferencias de estilo, o unir por hilos sutiles a directores y actores de las películas elegidas, además de introducir los trabajos más modernos. Con la programación hacía montajes de películas como si se tratara de atracciones eisenstenianas y producir una conmoción en las categorías y clasificación de géneros y estilos. Dominique Païni sostiene que lo que hizo Langlois fue desarrollar una pedagogía de la historia estética del cine basada en el choque y la sorpresa; y considera que este planteamiento, que conducía a una lectura crítica y renovada de las películas, es similar a algunas ideas de Walter Benjamin (tanto en lo que respecta a que el conocimiento ha de producirse de manera fulgurante, como en la elección del montaje para crear su gran obra). Asimismo, Païni observa una relación directa entre este método basado en el choque y las Histoire(s), que, a grandes rasgos, serían “programaciones” de películas; si Langlois proyectaba films rescatados a la destrucción, Godard parece haber reunido antiguos y magníficos fragmentos encontrados, un “arte de las ruinas” que aproxima a ambos a la idea de Benjamin de hacer su obra a partir de los despojos.

Cuando Godard afirma que los miembros de la Nouvelle Vague son “hijos de la Liberación y del Museo”, no es sino de este museo, la Cinémathèque; y así explica: “La Nouvelle Vague salió de la Cinémathèque, como los pintores salieron del taller de los grandes Maestros, de modo ultraclásico en la historia del Arte. Antes, el cine no venía de allí... Nosotros ‘estudiamos’ en el taller de los grandes Maestros, que era la Cinémathèque”. Aquellos jóvenes que querían revolucionar el cine, y, podría decirse que, como los impresionistas, salir a la calle y captar a la gente de su edad, primero se formaron en el estudio y contemplación de las grandes obras de su arte. Cuando pasados los años, Godard ha creado un museo, un museo vivo para el cine, parece que hubiera siguido el imperativo de Cézanne: “Hay que llegar al Louvre a través de la naturaleza y regresar a la naturaleza pasando por el Louvre”.

En las Histoire(s), Godard rinde homenaje a Langlois y la Cinémathêque. El capítulo 1A está dedicado a la compañera y colaboradora de Langlois, Mary Meerson, a quien ya dedicara el libro Introducción a una verdadera historia del cine. En el 1B ya se ve por un momento a Langlois junto a un proyector, en un contexto muy emotivo en torno a una cita de Johnny Guitar, y en el que el rótulo l’homme à la caméra parece referirse tanto al film de Vertov como al impulsor de la Cinémathèque. Pero es en el 3B donde se centra especialmente en Langlois, en las series “Museo de lo real” que inicia con un montaje en el que éste aparece con su proyector junto a una pantalla dando la sensación de que es él quien pasa las imágenes. En estas series, Godard hace referencia a cómo Langlois les enseñó a ver cine, a comprender su valor metafórico, incluso, a tener fe, a creer en un cine que entonces no se podía ver. Junto a Langlois, también recuerda a su colaboradora Lotte Eisner, la gran especialista en expresionismo alemán, y con ella a otros escritores como Jean-Georges Auriol o Jay Leyda; todos ellos tienen la característica común de ser críticos entusiastas, no sólo conocedores del cine, sino personas con un punto de vista personal y capaces de comunicar su emoción.

Godard conoció la Cinémathèque cuando estaba ubicada en el número siete de la avenida de Messine. Entonces, sólo había una pequeña sala de proyección, que no tenía ni cien asientos, a la que se pasaba atravesando la colección de objetos de cine que Langlois ya había empezado a reunir, con lo que uno tenía la sensación de haber accedido a un universo distinto y maravilloso. Posteriormente la Cinémathèque se trasladó varias veces, pero aunque las sedes eran cada vez más amplias, había grandes problemas para el almacenaje de los rollos y se complicó su gestión. Los problemas económicos se agravaron cuando tras el “affaire Langlois” el ministerio les retiró la subvención. Pese a todo, Langlois siguió adelante con su proyecto de crear un museo “físico” del cine en el Palacio de Chaillot con la enorme cantidad de objetos variados (fotos, guiones, dibujos, maquetas, vestidos, etc.) que había recopilado con ayuda de Lotte Eisner. Para conseguir un dinero que no le daba el Estado, Langlois se sobrecargó de trabajo dando numerosas charlas, en Montreal, Nueva York, o Nanterre.

Aunque algunos tacharon de fetichismo el empeño de Langlois de crear un museo de objetos, lo que quería era dejar algo permanente, y el objetivo de su museo no era destacar tal pieza o tal otra sino recrear una atmósfera. En cierto modo, Godard hace algo parecido en las Histoire(s), ya que crea una obra con los pequeños fragmentos que ha ido reuniendo, a fin de que se recuerde qué fuera el cine y su mundo.

El museo de Langlois era una suerte de film tridimensional. Tras su apertura en 1972, se dijo: “Langlois retrata la historia del cine como un pintor, utilizando los recursos de las colecciones de la Cinémathèque para crear una especie de collage personal. Lo expuesto no se dispone de manera formal; sino que funciona mediante inesperadas, pero significativas, yuxtaposiciones de materiales diversos”. Además de hacer asociaciones inusitadas, ciertamente, no había una sola cartela, y catálogo, aunque había uno preparado, no se publicaría hasta más tarde. Esto era intencionado, Langlois quería que fuese un verdaderamente un laberinto, decía: “¿No has observado a la gente en los museos? Llegan a una sala, ven un cuadro, se acercan a leer la cartela, descubren de quién es y qué título tiene, y entonces se van. Han leído, ya saben. No quiero algo así en mi museo. Quiero que la gente mire a todas partes, que realmente miren, y si no hay etiquetas, tendrán entonces que tratar de explicarse de qué objeto o fotografía se trata. Ésa es la diferencia entre un libro ilustrado con sus pies de foto y un museo: no es importante que la gente sepa exactamente qué fotograma procede de qué film; el museo entero ha sido diseñado como una historia viviente del cine casi autónoma. Lo importante no es saber que aquí tenemos una foto de Lillian Gish sino más bien qué aspecto tenía una estrella del cine en un tiempo dado”.

En Bande à part (1964) tres jóvenes batían el récord de visita rápida al Louvre; atravesando sus galerías en 9 minutos y 43 segundos. Con Histoire(s) du cinéma, Godard crea formas que retienen la atención, estancias virtuales en las que la mirada queda detenida. Salvando las distancias, hay una cierta similitud entre la disposición de las salas del Museo del Cine de Langlois y la manera en que se organizan las series, incluso los distintos elementos de cada plano en las Histoire(s); el rechazo a las etiquetas es similar al “arte de citar sin comillas” que, al modo de Benjamin, practica Godard. Por otra parte, la idea de laberinto es pareja a la apertura que caracteriza las Histoire(s), que cada uno establezca su recorrido, que se preste atención a todo. El deseo de Langlois de involucrar al espectador es común a la intención de las Histoire(s); en ambos casos se trata de convertir la mirada en “aventura”: no se da un discurso a seguir sino que se abren mundos para descubrir.

La reproductibilidad técnica permitirá que las Histoire(s) tengan una vida menos azarosa que el museo de Langlois, el cual, tras muchos avatares quedó definitivamente cerrado después de un incendio en el Trocadero durante el verano de 1997. Desde 2005, la Cinémathèque Française cuenta con una moderna sede en Bercy, un lujoso complejo con salas de proyección, mediateca, y varios espacios expositivos en los que sin embargo sólo se exhibe una mínima parte de la colección de objetos. Antes de que se efectuara el traslado definitivo tuvo lugar el acto final de este juego de paralelismos: la última sesión en el palacio de Chaillot no podía haber sido otra que una proyección de las Histoire(s) du cinéma, que guardarán para siempre la memoria de Langlois entre las luces y sombras del cine.

Godard, como si quisiera a toda costa hacernos comprender qué es el cine, como si considerara que de eso depende nuestra vida. Hay, pues, una generosidad en el centro de este tono exaltado e íntimo, épico, que permite pensar en los proyectos de André Malraux, por ejemplo, citado muchas veces en el libro a propósito de Henri Langlois, el director de la Cinemateca, a quien el autor de “La condición humana” iba a echar de su cargo escandalizando a Godard: Cuando Langlois proyectó por primera vez “La esperanza”, lo que nos sobresaltó no fue la guerra de España sino la fraternidad de las metáforas. Pero con lo novelesco que Malraux reservaba para sus novelas, Jean-Luc Godard alimenta esta Historia(s) que, con o sin razón, resulta la más autobiográfica de sus obras.
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martes, 25 de diciembre de 2007

Morton Feldman